quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CARTA DE REPÚDIO

MOÇÃO DE REPÚDIO CONTRA OS ATOS PRATICADOS POR PREPOSTOS DA POLÍCIA MILITAR BAIANA CONTRA A MULHER E SACERDOTISA DOS POVOS DE TERREIRO NO DIA 23/10/20

O Movimento Negro Organizado do Brasil, os Povos de Terreiro, os Movimentos de Luta por Terra e demais movimentos sociais solidários, vem manifestar seu mais veemente repúdio aos atos de abuso de autoridade, violência, tortura, racismo, sexismo e intolerância religiosa praticados no último dia 23 de outubro de 2010 por um pelotão da Polícia Militar da Bahia, que invadiu o assentamento Dom Hélder Câmara, em Ilhéus.

Além de praticar uma invasão ao arrepio da lei, os policiais apontaram armas para homens, mulheres e crianças, torturaram a coordenadora do assentamento e sacerdotisa do candomblé (que se encontrava, ademais, incorporada com seu
orixá), atirando-a, em uma cela onde havia homens depois de torturá-la publicamente mantendo-a num formigueiro como forma de tentar “expulsar o demônio de seu corpo”

Quando os membros da comunidade tentaram se aproximar para socorrê-la um dos policiais apontou a pistola para cabeça da sacerdotisa, ameaçado que se alguém da comunidade se aproximasse ele atirava. Spray de pimenta foi atirado contra os trabalhadores. O desespero tomou conta da comunidade, crianças choravam, idosos passavam mal. Enquanto Bernadete (Oxossi) algemada, era arrastada pelos cabelos por quase 500 metros e em seguida jogada na viatura, os policiais numa clara demonstração de racismo e intolerância religiosa, gritavam “fora satanás”! Na delegacia da Polícia Civil para onde foi conduzida, Bernadete ainda incorporada bastante machucada foi colocada algemada em uma cela onde havia homens, enquanto policias riam e ironizavam que tinham chicote para afastar “satanás”, e que os Sem Terras fossem se queixar ao Governador e ao Presidente.

A delegacia foi trancada para impedir o acesso de pessoas solidarias a Bernadete, enquanto os policias regozijavam – se relatando aos presentes que lá no assentamento além dos ataques a Oxossi (incorporado em Bernadete) também empurraram Obaluaê manifestado em outro sacerdote atirando o mesmo nas maquinas de bombear água. Os policias militares registraram na delegacia que a manifestação dos orixás na sacerdotisa Bernadete se tratava de insanidade mental.

Considerando o que prevê a CF-88, no seu artigo 1º, III que põe como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (cf. 3º, III sobre a dignidade da pessoa humana como princípio);

Considerando ainda a Carta Magna no que se refere à liberdade de culto, à tortura e ao estado laico;

Considerando ainda o que estabelece a referida Carta no seu artigo 3º, § IV: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.;

Considerando o que preconiza a LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Considerando o que prevê a Lei 11.340/6 [Lei Maria da Penha], no seu artigo 2º: “...viver sem violência, preservando a sua saúde física e mental, preservando o seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”;

Considerando o que prevê a Constituição Estadual no seu artigo 3º, é vedado ao Estado I: “criar distinções entre brasileiros ou preferência entre si, em razão de origem, raça, sexo, cor, idade, classe social, convicção política e religiosa, deficiência física ou mental e quaisquer outras formas de discriminação”;

Considerando o momento atual que é de luta por igualdade de condições e de respeito as diferenças;

Considerando a realidade presente na qual a sociedade civil se organiza para garantir direitos formalmente postulados e muitos não efetivados no Brasil,

Nos apresentamos a todas as pessoas e instituições do Sul da Bahia, do Nordeste, do Brasil e de modo especial aos Governos do Estado e Federal para REPUDIARMOS os atos truculentos, violentos, de tortura, de desrespeito à integridade física, moral e psicológica, de desrespeito à liberdade de culto, de ameaça a crianças, adolescentes, jovens, mulheres, adultos e trabalhadores do campo no dia 23/10/10 no distrito do Banco do Pedro – Ilhéus e com isto, pedimos a demissão do Secretário de Segurança do Estado da Bahia [César Nunes] por permitir que a concepção de segurança se resuma à violência policial contra pessoas protegidas pela CF-88, dentre outros diplomas legais; o afastamento definitivo do Major Riccio que comanda a 70ª CIPM em Ilhéus por permitir que seus comandados imediatos agissem como agiram [ violando direitos] e sendo ríspido com as lideranças comunitárias e religiosas no momento em que receberam as referidas lideranças em audiência, além dos atos da Policia Civil em praticar ato de coerção e constrangimento de testemunhas, investigando suas vidas pregressas por pertencerem ao Movimento pela Reforma Agrária , numa tentativa explicíta de transformar vítimas em réus ; pedir a apuração criteriosa da ação em tela com as consequências administrativas e penais cabíveis no sentido de coibir definitivamente que instituições que foram criadas para proteger, violentam.

Neste contexto, lideranças indígenas têm sido perseguidas, ameaçadas, mortas e presas; o mesmo tem acontecido com lideranças quilombolas, que tem, entre outras ações de proprietários, policiais e jagunços, sendo vitima de intrigas e ameaças de suas vidas em razão da atividade de organização dos mesmos pela defesa da titulação de suas terras, nesta região e nos vaŕios cantos deste país.

A ausência de uma política de desenvolvimento para o Brasil e para a Bahia, que incorpore no mercado de trabalho toda a juventude, onde falta de priorização de investimentos de vulto na educação integral de qualidade, em período integral, em oportunidades, esporte, cultura e lazer, foi substituída por uma política de marginalização e genocídio da nossa juventude negra, indígena e quilombola. Tudo implementado pelas forças de segurança do estado da , em um flagrante desrespeito aos direitos dos cidadãos, aos direitos humanos e a democracia.

É por tudo isso, que conclamamos os movimentos sociais e as instituições judiciárias brasileiras para exigirem a condenação do estado e do governo da BA, como responsáveis, por este cerco de violência que vive o estado, especialmente com a admissão de responsabilidade por parte do governador Jaques Wagner, com um pedido de desculpas formal a população baiana.

Cobramos também o compromisso do governo e do judiciário, com as discussões pela garantia dos direitos dos cidadão e pelos direitos humanos no estado da BA, pondo fim a violência desses órgãos de segurança contra a população pobre e não branca.

Exigimos o afastamento dos policiais envolvidos, do serviço, sua demissão e processo em tribunal de júri, para que sejam responsabilizados pelos crimes cometidos, como exemplo para novos infratores policiais.

Finalmente, exigimos do estado a indenização por danos, materiais, morais, por crime religioso e por racismo, por parte do estado, como forma de reparar parte dos prejuízos imputados aquela comunidade e lideranças. Bem como o pagamento dos profissionais advogados e custo processuais.

E por fim, pedimos a cada cidadão/ã e cada instituição democrática desta Região, do Nordeste e do Brasil e neste Encontro de Caráter Internacional que se manifestem e denunciem todo e qualquer ato que vá de encontro aos princípios postulados nos diplomas legais acima citados.